Filme do Dia: Eu Não Sou Seu Negro (2016), Raoul Peck


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Eu Não Sou Seu Negro (I Am Not Your Negro, EUA, 2016). Direção: Raoul Peck. Rot. Adaptado: Raoul Peck, a partir dos escritos de James Baldwin. Fotografia: Harry Adebonojo, Bill Ross IV & Turner Ross. Música: Alexei Aigui. Montagem: Alexandra Strauss.
Esse documentário extrai sua maior força da indignação moral de James Baldwin, autor das tocantes, firmes e anti-sentimentais considerações que escutamos, seja por sua própria voz (em imagens de arquivo, como aliás a maciça metragem do mesmo), seja através de voz over em primeira pessoa (a cargo de Samuel L. Jackson). É eminentemente sobre a experiência de ser negro nos Estados Unidos e mistura o pessoal e (sobretudo) o coletivo, assim como três mortes e as trajetórias dos três, todos assassinados,  que parecem ter forjado ainda mais a visão do autor: Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Jr. O filme, por sua vez, pretende dar forma a um projeto que provavelmente nunca seria finalizado pelo próprio Baldwin (ele o iniciou em 1979, e nem de longe aparentemente se encontrava concluído quando de sua morte, em 1987). Para a construção de sua poética, boa parte das imagens provém de filmes ficcionais, assim como de imagens de arquivo. Sobre ambas, Baldwin destila uma perspectiva racial que não tergiversa diante de uma leitura que pune por um recorte distinto do mainstream (em outras palavras, branco). E isso vale, inclusive, para o pensamento liberal branco progressista, seja ao analisar o encontro da escritora Lorraine Hansbery com Robert Kennedy, seja  ao observar em No Calor da Noite- filme que é habitualmente tido como uma mudança na persona fílmica de Sidney Poitier, não por acaso o astro que tem mais trechos de filmes e menções referidos, a partir sobretudo da célebre cena em que o mesmo estapeia o poderoso branco após ter sido estapeado por esse; Baldwin, no entanto, ressalta, o momento final, em que uma amizade entre o personagem de Poitier e o policial racista que o destratara ao início parece emergir implícita, como uma fantasia a mais do imaginário branco. Para não falar, com toda sua contundência e verve, o quanto não se dobra ele próprio ao entrevistador Dick Cavett, deixando-o visivelmente constrangido, quando esse tenta contemporizar sobre os avanços dos negros em todos os campos da sociedade ou menos ainda do acadêmico que tenta desqualificar o viés racial como de fato importante, apelando para uma abstração universalizante. Dito isso, sua força é proveniente praticamente do discurso de Baldwin e, nesse sentido, um descompasso entre a poética desse e o formato um tanto convencional do documentário salta aos olhos, sobretudo na sua infeliz opção final, que parece ressaltar um efeito-fórmula que mais  desmerece o que até então foi elaborado que o oposto. E, igualmente, a ausência de equilíbrio entre os três retratados pelo autor, sendo que justamente sobre  o menos conhecido, Medgar Evers,  qualquer espectador desavisado terá que pesquisar mais a respeito, pois se for esperar pelo documentário não saberá sequer qual sua relevância. E tampouco quando a frase de Robert Kennedy sobre a possibilidade de se ter em um futuro não muito distante um presidente negro nos Estados Unidos, o documentário se encontra longe de problematizar à altura a ironia com que tal frase é recebida por Baldwin, que recusa essa postura paternalista, apenas apresentando imagens da posse do primeiro mandato de Obama, em que ele e a esposa caminham em meio às festividades. Intenso uso da música, sobretudo negra, americana na sua banda sonora incluindo canções de autoria ou interpretadas por Big Joe Williams, Nat King Cole, Lena Horne, James Brown, Bob Dylan. Dentre as imagens de arquivo existe desde aquela que Robert Kennedy anuncia para consternação geral no estádio a morte de Luther King (também presente no contemporâneo O.J: Made in America) até a que King escuta nervoso, ao lado de simpatizante, um estampido próximo de onde caminha, passando pelo confronto direto na TV em que Malcolm X o provoca chamando-o, indiretamente, de “pastor ignorante” e de compartilhar uma postura submissa, que a seu ver pouco ajuda à causa negra.  Velvet Film para Magnolia Pictures. 93 minutos

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