The Film Handbook#117: Michael Powell

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Michael Powell
Nascimento: 30/09/1905, Kent, Inglaterra
Morte: 19/02/1990, Gloucestershire, Inglaterra
Carreira (como diretor): 1931-1978

Junto ao roteirista nascido na Hungria Emeric Pressburger, Michael Powell formou uma das parcerias mais ambiciosas e criativas na história do cinema. Ainda que muito de sua obra apenas incidentalmente diga respeito ao que significa ser britânico, isso é acidental para sua extravagância, misticismo, paixão e desdém pelo realismo, inexistente nos filmes dos compatriotas contemporâneos de Powell.

A primeira experiência  cinematográfica de Powell foi como ator e assistente de direção para Rex Ingram em O Mágico/The Magician e O Jardim de Allah/The Garden of Allah, ambos realizados no sul da França. Retornando à Londres, ele trabalhou em várias atribuições em Elstree, antes de dirigir seu primeiro filme, Two Crowded Hours, em 1931; foi o primeiro de muitos filmes baratos* produzidos - frequentemente  thrillers cômicos, nos quais ele poderia desenvolver habilidades despretensiosas durante os idos e meados dos anos 30. Somente com The Edge of the World>1, drama baseado em fatos reais, realizado em 1937 sobre a evacuação de uma remota ilha improdutiva nas Shetlands, foi que ele finalmente revelou seu sentimento pelas paisagens distintamente romântico, quase sobrenatural; o filme levou-o a um contrato com o produtor Alexander Korda e a um encontro crucial com  Pressburger, com quem escreveu o roteiro para O Espião Submarino/The Spy in Black. O filme foi notável tanto por suas atmosféricas imagens expressionistas quanto pelo incomumente simpático tratamento dado ao vilão alemão Ainda mais indicativo da crescente confiança de Powell foi sua contribuição para O Ladrão de Bagdá, no qual demonstrou sua inclinação pelos exóticos e ricos matizes de Technicolor para criar uma fantasia madura, engenhosa e mágica.

Após selar sua parceria com o filme de ação de guerra seguinte (Nas Sombras da Noite/Contraband), Powell e Pressburger embarcaram em um projeto de filme de propaganda para o Ministério da Informação: o resultado, Invasão de Bárbaros/49th Parallel, clamava por um fim do isolacionismo americano com uma história inteligentemente dramatizada de marinheiros de um submarino alemão encalhado no Canadá e seus encontros com vários representantes da democracia vibrantemente elaborados. E...Um Avião Não Regressou/One of Our Aircraft Is Missing revertia a situação, detalhando a situação difícil dos pilotos britânicos numa Holanda ocupada pelos nazistas, porém foi  Coronel Blimp - Vida e Morte/The Life and Death of Colonel Blimp>2 que serviu como a meditação mais complexa e comovente da dupla P&P sobre a ética da guerra. Um retrato caloroso de um oficial do exército britânico cuja carreira, da Guerra dos Boers à Segunda Guerra Mundial, espelha as tristes mais inevitáveis mudanças nos ideais militares (das habilidades na estratégia para os golpes baixos impiedosos), o filme é um profundo tributo pessoal à Inglaterra, à amizade (entre Blimp e outro "bom" alemão) e a persistência do amor (três mulheres que inspiraram a juventude, a meia-idade e a velhice de Blimp, todas interpretadas por Deborah Kerr). Ainda mais lírico em sua resposta as questões da propaganda foi A Canterbury Tale>3, que mesclava um bizarro enredo de suspense (um homem derramava cola nos cabelos de mulheres locais que se encontravam com soldados americanos) com uma versão contemporânea da peregrinação de Chaucer; enquanto Sei Onde Fica o Paraíso/I Know Where I'm Going retratava um caso de amor inspirado por forças sobrenaturais do mar e da terra.

Então, no auge de seus talentos, P&P embarcaram em algumas de suas obras mais inventivas, ambiciosas e anti-realistas. Em Neste Mundo e no Outro/A Matter of Life and Death>4, um piloto que teve seu avião atingido em luta com os danos cerebrais provocados pelo acidente é apresentado, tal como em um lógico drama de tribunal, ainda que extravagantemente fantástico, ao Céu e seus habitantes (filmados em preto&branco) indagando qual o motivo de sua morte dentre os seus companheiros de ar e amante na terra (em suntuoso Technicolor); piadas internas, referências literárias, propaganda e apaixonante romance são mesclados em um comovente e, frequentemente surpreendente, efeito original. Igualmente memorável, Narciso Negro/Black Narcissus>5, a respeito das frustrações emocionais, sexuais e culturais de freiras britânicas no alto do Himalaia, recria a Índia em estúdio para pintar, com cores e composições expressionistas, uma paisagem exótica e erótica da mente. E Sapatinhos Vermelhos/Red Shoes>6, talvez o melhor filme de dança jamais produzido, foi não somente um soberbo exemplo do desejo de Powell em criar novas formas de drama através da música, dança, cores, interpretações e técnicas de câmera, mas uma combinada inspiração de conto de fadas, fatos (sua história foi distantemente baseada em Diaghilev e Nijinski) e feminismo (os desejos da carreira e vida da bailarina são destruídos pelas manipulações de um marido ciumento e um mentor demoníaco).

Nunca mais as colaborações de P&P seriam tão frutíferas, ainda quando De Volta ao Pequeno Apartamento/The Small Back Room, uma inteligente análise de um especialista em desarmar bombas alcoólatra e auto-destrutivo, teve excêntricas digressões (uma gigantesca garrafa de uísque inclusa) e Contos de Hoffman/Tales of Hoffman e Oh...Rosalinda! tentativas, não de todo bem sucedidas, de repetir as experimentações visuais extravagantes de Sapatinhos Vermelhos. Coração Indômito/Gone to Earth foi um inteligente,  ainda que ocasionalmente pretensioso, melodrama do século XIX, notável por belas locações fotográficas e complexo simbolismo animal, mas A Batalha do Rio da Prata/Battle of River Plate foi um relativamente rotineiro drama de guerra naval, marcando o final da parceria com Pressburger.

O húngaro nunca mais igualaria o brilho que havia conquistado na The Archers (a companhia que haviam formado em 1942), enquanto os filmes de Powell se tornariam visivelmente mais irregulares. De toda forma, em 1960 ele realizaria sua última obra-prima, A Tortura do Medo/Peeping Tom>7, sombrio mais sensível estudo de um cinegrafista-assassino, que filma as faces de suas vítimas, enquanto as esfaqueia com uma lâmina escondida em seu tripé. Uma acusação irônica dos impulsos sádicos do voyeurismo (especialmente os associados a realização e assistência de filmes), o filme de Powell ganha força ao fazer de seu assassino, uma tímida e gentil vítima do próprio interesse paterno na psicologia do medo, traumatizado por um passado em que fora observado em filmes domésticos, nos quais o próprio Powell interpreta o pai e seu filho a criança a ser assassinada. Tanto profundamente perturbador quanto intelectualmente brilhante, o filme foi mal compreendido à sua época; críticos cegamente puritanos arruinaram a carreira de Powell.

Forçado a alternar obras comparativamente menores com trabalhos para a televisão, Powell foi para a Austrália, em 1966, onde realizou They're a Weird Mob, uma picante comédia de costumes sobre as confusões de um imigrante italiano em terra estrangeira e A Idade da Reflexão/Age of Consent, um perspicaz mas dispersa narrativa de um pintor revitalizado por sua obsessão por uma jovem modelo. Posteriormente ele voltaria a se reunir com Pressburger na charmosa fantasia infantil The Boy Who Turned Yellow, e a partir de então (a despeito de planos para uma versão de A Tempestade e do encorajamento de diretores jovens como Scorsese) não mais conseguindo encontrar financiamento para completar outro filme. Ele não tem, no entanto, desistido.

A originalidade de Powell reside em sua recusa a se render às limitações dos gêneros: embora altamente pessoal tanto em estilo (visuais extravagantes) quanto nos temas (a natureza demoníaca da criatividade; forças irracionais e básicas; a Inglaterra), sua obra resiste à categorizações. Poucos diretores britânicos tem sido tão eficazes em retratar as emoções e os efeitos de suas repressões; e poucos o fizeram com o senso da habilidade do cinema de liberar e inspirar a imaginação.

Cronologia
Powell foi visivelmente inspirado por Ingram e o Expressionismo Alemão enquanto Pressburger começou escrevendo para Ophüls e Siodmak. Pode-ser fazer comparações hesitantes com Mamoulian, Ophüls e mesmo o  Renoir ao final de sua carreira; dentre os diretores modernos, Scorsese é um fervoroso admirador.

Leituras Futuras
Arrows of Desire (Londres, 1985), de Ian Christie; A Life in Movies (Londres, 1986), é uma primeira autobiografia.

Destaques
1. The Edge of the World, Reino Unido, 1937, c/Niall McGinnis, John Laurie, Finlay Currie

2. Coronel Blimp - Vida e Morte, Reino Unido, 1943 c/Roger Livesey, Anton Walbrook, Deborah Kerr

3. A Canterbury Tale, Reino Unido, 1944 c/Eric Portman, Sheila Sim, Dennis Price

4. Neste Mundo e no Outro, Reino Unido, 1946, c/David Niven, Kim Hunter, Roger Livesey

5. Narciso Negro, Reino Unido, 1947 c/Deborah Kerr, Kathleen Byron, David Farrar, Sabu

6. Sapatinhos Vermelhos, Reino Unido, 1948 c/Moira Shearer, Anton Walbrook, Marius Goring

7. A Tortura do Medo, Reino Unido, 1960 c/Carl Boehm, Anna Massey, Maxine Audley, Esmond Knight

Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 224-7.


(*) no origial "quota quickes", como ficaram conhecidos depreciativamente produções realizadas a partir a partir do Cinematograph Films Act, de 1927, que com a pretensão inicial de transformar a combalida indústria britânica, gerou uma grande leva de filmes baratos e mal produzidos, realizados por distribuidoras norte-americanas ou exibidores britânicos tendo como única meta cumprir as cotas em questão de exibição.


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