Filme do Dia: Eu Sou a Lenda (2007), Francis Lawrence

Eu Sou a Lenda Poster

Eu Sou a Lenda (I Am Legend, EUA, 2007). Direção: Francis Lawrence. Rot. Adaptado: Mark Protosevich &  Akiva Goldsman, baseado no romance homônimo de Richard Matheson e no roteiro para A Última Esperança da Terra, de John William Corrington & Joyce Hooper Corrington. Fotografia: Andrew Lesnie. Música: John Newton Howard. Montagem: Wayne Wahrman. Dir. de arte: Naomi Shohan, Howard Cummings, William Ladd Skinner & Patricia Woodbridge. Figurinos: George DeTitta Jr. Figurinos: Michael Kaplan. Com: Will Smith, Alice Braga, Charlie Tahan, Salli Richardson, Willow Smith, Darrell Foster, April Grace, Dash Mihok.
Há três anos Robert Neville (Will Smith) é um cientista que acredita ser o único sobrevivente humano após uma hecatombe mundial provocada pela disseminação de um vírus mortal. Morando em Nova York com a cadela Sam, ele tem que enfrentar os zumbis que sofreram mutações após o desastre. Neville se recorda dos tempos em que possuía uma família, a esposa Zoe (Richardson) e o filho Marley (Willow Smith). Certo dia quando se encontra em vias de ser vencido pelos zumbis, é resgatado por Anna (Braga), outra sobrevivente que lhe convida para fugirem para Vermont, onde existe uma colônia de humanos refugiados que sobreviveu à contaminação. Os zumbis, no entanto, seguiram Anna até o apartamento de Neville e seu ataque maciço provoca o suicídio altruísta de Neville para salvar Anna e o filho, carregando o sangue de um zumbi que se regenerou graças aos experimentos de Neville como antídoto.
São evidentes os traços tanto em termos de recursos de produção e estéticos quanto ideológicos atrelados ao momento histórico em que foi produzido que diferencia essa adaptação das duas outras que lhes antecederam. Aqui se lida com uma super-produção que torna relativamente bastante precárias as anteriores. Ainda que o peso da situação existencial de solidão limítrofe vivenciada pelo personagem seja mais amortecida que impactada pela adição de efeitos visuais de ponta e soluções dramatúrgicas bastante condizentes com o momento histórico no qual foi produzido. Em outras palavras, a digitalização excessiva no plano da imagem, assim como a negação de dar qualquer traço de humanidade aos mortos-vivos oponentes tendem a minar tanto uma possibilidade mais ativa do sentimento de angústia vinculada a um espaço diegético mais crível e concreto quanto uma possibilidade de se vislumbrar alguma faceta da alma humana nos que chegam com a noite. Se em Mortos que Matam (1964)havia uma ode a família americana média dos anos dourados de modo explícito e em A Última Esperança da Terra (1971), era a cultura hippie que era defenestrada em nostalgia subliminar por essa mesma década dourada, de valores familiares mais concretos, aqui é o espírito pós-11 de setembro que domina a cena ideológica. Além de datas próximas a essa serem citadas ao menos duas vezes ao longo da narrativa, o fato de novamente ser Nova York o cenário da catástrofe é talvez menos sugestivo ao final de contas que a impossibilidade de se visualizar qualquer traço de humano no rival, tal e qual o americano médio pensa a respeito dos terroristas islâmicos. Algo muito diverso de uma “organização” batizada como Família (tal e qual o grupo de assassinos liderados por Manson) que possuía personagens inclusive dotados de nome, tal como em A Última Esperança da Terra e uma face bem mais humana. Por mais satanizados que fossem, ainda havia uma vinculação mais imediata com o mundo concreto e reinvindicações de viverem de um modo diferente dos humanos. Do mesmo modo, a uma evidente releitura que procura deslocar o visível racismo presente na versão de Sagal, transformando o protagonista em negro e menos auto-confiante que seu homônimo vivido por Charlton Heston – aqui além do personagem demonstrar uma sensibilidade masculina pouco percebida no anterior, em seu momento mais difícil é resgatado por uma mulher, demonstrando uma representação de mulher um pouco menos carente de proteção. E o final deixa de fora a alusão mais direta a figura de Cristo presente em ambas as versões anteriores e minimiza o senso de angústia da morte – aqui sequer visualizada e, ironicamente, vivenciada tal qual um atentado suicida – oferecendo uma generosa visão de um neo-pioneirismo provinciano com direito a igrejinha e tudo mais que somente chega a ser levemente sugerida no filme de Sagal e nem ao menos isso na primeira versão. Um mundo belo e comunitário, ainda que isolado do mundo exterior por um forte aparato de segurança, algo bastante metafórico da própria situação dos Estados Unidos contemporâneos.  Como no filme de Ubaldo Ragona se volta ao confinamento do drama doméstico, em detrimento de uma mais pulsante tensão com relação ao coletivo presente na versão de 1971 – algo que se reflete quase diretamente na escolha dos filmes dentro dos filmes nas três versões: de um filme amador de recordações domésticas se vai para Woodstock assistido no cinema na segunda versão e para Shrek aqui. Enquanto nos filmes anteriores o momento em que o protagonista assistia as imagens era transido de nostalgia e angústia, aqui acontece numa dos momentos mais relaxados e próximos de reproduzir o consumo do entretenimento familiar coletivo no conforto do ambiente doméstico, em dvd com imagem de alta definição. Como no filme de Sagal não se escapa de momentos de pieguice sentimental, aqui representados pelo empolado e artificial discurso sobre a paz mundial associada à figura de Bob Marley. Porém, ao contrário desse, certas inverossimilhanças  do enredo são bastante sintomáticas. Enquanto o herói encarnado por Heston vive um de seus momentos de maior satisfação ao saber da existência de outros humanos, aqui Smith parece relutar literalmente até à morte em acreditar nessa possibilidade. Como se tal possibilidade representasse abandonar à sua figura de paladino da justiça a qual já se encontra viciado, antecipando de modo ainda mais radical e consciente a sua recusa à superfluidade na composição dessa nova ordem. O fato de se tratar de uma produção de elevado orçamento faz com que a narrativa se detenha em momentos espetaculares de destruição – como as pontes de Nova York bombardeadas por helicópteros – que nada acrescentam ao enredo, algo que as duas versões anteriores foram poupadas.  Emma Thompson faz uma ponta não creditada no início como apresentadora de televisão. Warner Bros./Village Roadshow Pictures/Weed Road Pictures/Overbrook Ent./3 Arts Ent./Heyday Films/Original Film para Warner Bros. 101 minutos.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng

A Thousand Days for Mokhtar